São Paulo — O diretor de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), André Fidelis, pegou R$ 715 em diárias do órgão para viajar a Pau dos
Ferros, no semiárido do Rio Grande do Norte, para participar de um evento da
Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura (CBPA), uma
das entidades investigadas por suspeita de fraude na farra dos descontos em
aposentadorias.
Como mostrou o Metrópoles, uma auditoria do Tribunal de Contas da União
(TCU) feita sobre as entidades habilitadas pelo INSS para aplicar desconto de
mensalidade associativa diretamente na folha de pagamento dos aposentados
mostrou que a CBPA não tinha nenhum associado em 2022, quando firmou o acordo
de cooperação com o INSS, e encerrou 2023 com 341 mil filiados, faturando R$ 48
milhões no ano.
A entidade é alvo de mais de 4 mil ações na Justiça e acumula uma série
de condenações por descontos indevidos, feitos sem autorização dos aposentados
— a maioria nos estados do Ceará, Espírito Santo e Paraíba. O presidente da
confederação, Abraão Lincoln, responde a uma ação penal no âmbito da Operação
Enredados, da Polícia Federal (PF), que mirou suposto esquema de venda ilegal
de permissões para pesca industrial.
Na condição de diretor de benefícios do INSS, André Fidelis (de camisa
branca ao lado de Lincoln na foto em destaque) é responsável por assinar e
fiscalizar o andamento dos acordos com essas associações. A CBPA firmou seu
termo com a pasta em julho de 2022, na gestão do ex-diretor Edson Akio Yamada,
ainda no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O encontro da CBPA que contou com a presença de Fidelis ocorreu no
início de dezembro do ano passado em Pau dos Ferros, cidade de 30 mil
habitantes que fica a 390 km de Natal, a capital potiguar. Teve show de
violeiros, boca livre, eleição da miss pesca, e palanque para o presidente da
confederação de pescadores, Abraão Lincoln, que é filiado ao Republicanos e já
foi candidato a deputado federal.
Em vídeo publicado pela própria entidade, Fidelis aparece ao lado de
Lincoln no palco do evento. Em outro, ao lado de diretores da entidade, o
diretor do INSS tece explicações sobre auxílios extraordinários a pescadores e
ainda diz que a entidade e outras federações de pesca passarão mais informações
aos beneficiários.
Ao INSS, Fidelis justificou oficialmente o pedido pela diária para o
evento da CBPA em razão de urgência. Ele informou ter sido convidado em cima da
hora para o encontro de pescadores promovido pela entidade, que arrecada, atualmente,
R$ 14 milhões mensais com os descontos nas aposentadorias.
O crescimento exponencial de entidades como a CBPA chamou a atenção do
TCU, que viu a possibilidade de "descontos indevidos em larga escala" e
"existência de controles frágeis" dentro do INSS. O tribunal pressionou o órgão
previdenciário por um controle mais rígido desses descontos de mensalidade
associativa.
Como revelou o Metrópoles em março, 29 entidades envolvidas na farra dos
descontos em aposentadorias faturaram R$ 2 bilhões em um ano. Após a
reportagem, a prática virou alvo de investigações da Controladoria-Geral da
União (CGU) e do próprio INSS, órgão responsável por firmar os "acordos de
cooperação técnica" que permitem às associações aplicar "desconto de
mensalidade associativa" nos benefícios de aposentadoria e pensão.
Somente entre 2023 e 2024, o faturamento mensal dessas associações que
mantém acordos com o INSS saltou de R$ 85 milhões para R$ 250 milhões. Apenas
neste ano, na gestão de Fidelis, o órgão aceitou mais sete associações. Parte
delas têm estreitos elos com empresários do ramo de seguros e planos de saúde e
estavam registradas em nome de laranjas.
O que diz o diretor do INSS
Ao Metrópoles, o diretor de benefícios do INSS, André Fidelis, afirmou
que a viagem oficial, conforme consta no Portal da Transparência, "teve o papel
de cumprir a agenda junto aos representantes dos segmentos de pescadores e
aquicultores" e "contou com uma série de representantes do governo e do
Parlamento".
"O papel do INSS no evento teve por objetivo esclarecer o funcionamento
do Seguro Defeso, principal benefício pago ao seguimento pela Autarquia", diz.
Segundo ele, a "urgência se deu porque iria outro dirigente, e de última hora,
o diretor foi designado". "As passagens aéreas já tinham sido compradas pelo
diretor [Fidelis] semanas antes para uma agenda pessoal, por esta razão não
houve necessidade de fazer reserva de passagem aérea".
Procurada, a CBPA não retornou até a publicação desta reportagem. O espaço
segue aberto para manifestação.
Fonte: agoranoticiasbrasil.com.br/