São Paulo – Com
o argumento de desafogar as delegacias, o governo Tarcísio de Freitas
(Republicanos) deu início a um conjunto de ações para que agentes da Polícia
Militar (PM) exerçam atividades de investigação no estado.
As medidas constam em uma ordem preparatória, à qual o Metrópoles
teve acesso, para implementar o Termo Circunstanciado Policial Militar (TC/PM),
um tipo de registro feito para ocorrências consideradas de "menor potencial
ofensivo". Atualmente, esses casos são conduzidos pela Polícia Civil em São
Paulo.
O documento é assinado pelo atual subcomandante da PM, coronel
José Augusto Coutinho, número 2 da corporação e ex-comandante das Rondas
Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), a tropa de elite da Polícia Militar.
Nele, a gestão Tarcísio prevê, ainda, reforma em batalhões e um
rápido treinamento de soldados, cabos e outros agentes para lidar com assuntos
da legislação criminal.
As ações preparatórias já começaram neste mês e há expectativa de
que estejam implementadas até o fim deste ano. Na prática, o TC/PM vai permitir
que agentes da corporação paulista realizem diligências, como requisitar exames
e apreender provas.
Segundo juristas, a medida abre margem para que a PM faça até
oitiva de testemunhas. A implementação repercutiu negativamente entre
integrantes da Polícia Civil. Para a classe, o ato representa "usurpação das
suas funções".
Termo Circunstanciado
O Termo Circunstanciado (TC) é lavrado em casos de contravenção
penal ou de crimes com pena máxima de até dois anos de detenção. Com
julgamentos mais rápidos, esses casos tramitam em juizados especiais.
A lista de delitos registrados em TCs inclui lesão corporal, posse
de droga, esbulho possessório (invasão de propriedade) ou desobediência –
cenário em que, alertam os juristas, a PM poderia figurar simultaneamente como
"vítima" e "investigadora".
Pela dinâmica descrita na ordem preparatória, o TC será registrado
em um formulário eletrônico por um policial militar que está na rua e depois
revisado por um agente graduado no batalhão.
Em seguida, o registro deve ser assinado pelo oficial responsável
ou comandante da companhia antes de remetê-lo para o juizado.
Mesmo com o rito mais simples no Judiciário, integrantes do
Tribunal de Justiça (TJSP) ou do Ministério Público de São Paulo (MPSP) podem
solicitar novas informações antes de tomar uma decisão sobre uma dessas
ocorrências. Nesse caso, os procedimentos seriam conduzidos pela PM.
Diligências
A PM prevê, no documento, que os batalhões sejam preparados, ainda
neste ano, para "cumprir as diligências requisitadas" e "zelar pelo material
apreendido". Atualmente, essas atribuições são exclusivas da Polícia Civil.
Para isso, a ordem preparatória estabelece que toda companhia da
PM crie um "Compartimento de Apreensões", com no mínimo 40 m², para armazenar
provas daquela ocorrência, como droga ou arma, até o fim de novembro deste ano.
O valor do investimento não foi informado pelo governo.
A ordem não cita ou descreve o protocolo para realização de
eventuais oitivas de testemunhas ou interrogatórios – caso em que, pela
legislação brasileira, o suspeito tem direito de ser acompanhado por advogado.
Por ser tratar de um procedimento conduzido pela corporação,
juristas analisam que esses atos devem acontecer dentro do batalhão. Todos os
militares precisam estar preparados para cumprir o devido rito legal, sob pena
de qualquer eventual punição ao infrator ser anulada pela Justiça mais tarde.
O texto da PM destaca que as ações têm respaldo em decisões do
Supremo Tribunal Federal (STF). Também afirma já ter feito reuniões conjuntas
com o TJSP, "visando à preparação de Termo de Cooperação", para discutir o
funcionamento do TC/PM e as eventuais comunicações entre as instituições.
Risco
Presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia de São Paulo
(Sindpesp), a delegada Jacqueline Valadares diz que a implementação do TC/PM
pode representar "riscos para população" e tem sido recebida com maus olhos por
integrantes da Polícia Civil.
Recentemente, a ausência da Civil em megaoperações contra o
Primeiro Comando da Capital (PCC) também provocou revolta entre delegados.
"A partir do momento que Secretaria da Segurança Pública distribui
para a PM funções que são da Polícia Civil, como realizar o Termo
Circunstanciado, isso acirra uma disputa entre as corporações", diz Jacqueline.
"Cada uma tem sua função. Se a PM está registrando essas ocorrências, quem vai
fazer o patrulhamento da rua? Quem vai atender as ligações do 190?", completa a
delegada.
Jacqueline contesta, ainda, a prerrogativa de soldados, cabos e
outros policiais militares para definir o que seria um crime de menor potencial
ofensivo e então lavrar um TC/PM.
"Uma pessoa ferida, por exemplo, pode ter sido vítima de uma lesão
corporal [passível de Termo Circunstanciado] ou de uma tentativa de homicídio
[Boletim de Ocorrência]. O delegado é a autoridade que está preparada, a partir
da sua formação jurídica, para definir o tipo penal. Se essa ocorrência deixar
de ser apresentada na delegacia, há um prejuízo para toda a sociedade", diz
Jacqueline – para se tornar delegado é preciso ser formado em direito.
"Celeridade"
Em nota enviada ao Metrópoles, a Secretaria da Segurança Pública
(SSP), chefiada por Guilherme Derrite, que é capitão da reserva da PM, confirma
que a Polícia Militar tem "adotado as medidas administrativas necessárias para
eventuais adequações institucionais a elaboração do Termo Circunstanciado".
"A medida tem como objetivo dar mais celeridade ao atendimento ao
cidadão, otimizar recursos e garantir condições à Polícia Civil para o
fortalecimento das investigações de crimes de maior potencial ofensivo", diz a
pasta.
Com base em decisões do STF, a SSP afirma que "a lavratura do
Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) não é atribuição exclusiva da Polícia
Judiciária" – ou seja, da Polícia Civil.
"Trata-se de um procedimento administrativo para o registro de
crimes de menor potencial ofensivo, que tenham pena máxima de até dois anos ou
contravenções penais", diz. "A medida é autorizada pelo TJSP e já é adotada em
17 estados brasileiros."
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