O governo federal pagou 24 viagens, que totalizaram 66 dias, para um amigo
pessoal da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara. Ele não é servidor
público, mas participa de ações do governo federal como se fosse.
Esse amigo é o ex-chefe de comunicação da Articulação dos Povos
Indígenas do Brasil (Apib), Hone Riquison Pereira Sobrinho, mais conhecido como
Hony Sobrinho, de 27 anos. Guajajara é ex-coordenadora da Apib.
Durante reuniões e viagens oficiais, ele é apresentado como assessor do
Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e uma espécie de braço-direito da
ministra, mesmo não sendo funcionário público concursado ou temporário.
O governo federal já gastou R$ 76,2 mil em passagens e diárias para
Hony, que passou 66 dias viajando com o MPI desde fevereiro de 2023.
Para se ter uma comparação de valores, o projeto do governo federal
lançado em 2023 para combater o tráfico de drogas em terras indígenas oferecia
R$ 100 mil para a organização que realizasse trabalhos de prevenção em várias
aldeias de uma mesma região do país.
Só os gastos com as viagens de Hony correspondem quase que à totalidade
do programa voltado à luta contra os entorpecentes.
O amigo de Guajajara é incluído nessas viagens como "colaborador
eventual", que é uma categoria prevista na administração pública, destinada a
pessoas sem vínculo com o governo, mas com "capacidade técnica específica" para
a "execução de determinada atividade sob permanente fiscalização".
Hony é o "colaborador eventual" que mais recebeu passagens do Ministério
dos Povos Indígenas. Em nota por e-mail, o MPI informou que a colaboração
eventual é um mecanismo legal para a execução de determinada atividade sem
vínculo empregatício.
"O MPI adota essa forma de colaboração com respeito aos critérios
normativos, selecionando cada colaborador com atenção a sua expertise e de
acordo com a natureza da demanda", acrescentou a pasta, que não respondeu aos
questionamentos específicos da reportagem sobre as funções e viagens de Hony.
Agenda cheia
Entre março de 2023 e fevereiro de 2024, Hony participou de pelo menos
oito reuniões oficiais do governo federal.
Ele representou o MPI como assessor em uma reunião para apresentação e
alinhamento de licitações, no Ministério da Economia, em março do ano passado.
Hony ainda estava em um encontro na aldeia Maturacá, no Amazonas, ao
lado de figuras como a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o presidente
do Ibama, Rodrigo Agostinho.
O amigo de Guajajara também participou, como assessor, de uma reunião
com o presidente da Embratur, Marcelo Freixo, para tratar de turismo em
comunidades indígenas.
Também está entre as agendas que Hony participou ao lado da ministra uma
reunião de planejamento anual da Apib, em Ubatuba (SP).
Justificativas
As motivações apresentadas pelo Ministério dos Povos Indígenas para as
viagens de Hony são variadas. Ele foi mestre de cerimônia durante uma visita
técnica do MPI no Maranhão em abril de 2021, mas também já viajou como
participante de assembleias, debatedor em mesas temáticas de seminários e até
para tratar de temas delicados.
Em junho do ano passado, Sônia Guajajara designou Hony para acompanhar o
conflito agrário na terra indígena Kinikinau, no Mato Grosso do Sul.
Já no começo de abril de 2023, Hony foi enviado para verificar a
situação do território Pyau Jaraguá, em São Paulo, após denúncias de ameaças de
morte e invasões de não indígenas. Em pelo menos quatro motivações de viagens,
escritas em documentos oficiais, ele é chamado de "servidor".
Também houve viagens ao lado de Guajajara para acompanhar a crise
humanitária em território Yanomami. Na ida mais recente à região, em fevereiro
deste ano, Hony está na lista de passageiros como "assessor do MPI".
Ele também acompanhou Guajajara na Festa de Parintins, de carona no
avião da Força Aérea Brasileira (FAB) com a então ministra do turismo, Daniela
Carneiro, entre junho e julho do ano passado. Hony é descrito na lista de
passageiros como "assessor direto".
"Fofoca"
Procurado pelo Metrópoles, Hony negou que se apresente como servidor em
reuniões e eventos do ministério, apesar de ser tratado como tal nos documentos
oficiais. Ele diz que atua como um consultor e que trabalha com movimento
indígena há muitos anos.
"Vira assessor porque a gente tem um trabalho de contribuição com o
ministério, mas não chega a ser um braço-direito. Isso é fofoca, certamente",
afirmou.
Ao ser questionado sobre sua relação de amizade com a ministra dos Povos
Indígenas, Hony reconheceu que participa do governo por causa dessa relação,
mas negou que ajude em tomadas de decisão.
"Eu conheço a Sônia há muito tempo, tanto que estou na consultoria por
isso. Mas não é uma questão de tomar decisão por ela ou que eu participo de
decisões políticas. Eu faço as tarefas, conforme são orientadas, de ir nas
comunidades com ela, ou com outras pessoas do ministério", defendeu.
Hony alega que é um consultor do ministério e que recebe um salário de
R$ 8,5 mil via Universidade Federal do Piauí (UFPI), que fez um convênio com o
MPI. Hony não é estudante, bolsista ou servidor da UFPI.
De fato, a Fundação da UFPI firmou uma parceria de R$ 2,5 milhões com o
Ministério dos Povos Indígenas para "pesquisa relativa à participação social de
povos indígenas no acompanhamento de políticas públicas". No entanto, esse
convênio começou em novembro. Hony viaja com Sônia desde fevereiro do ano
passado.
Hony e o MPI não responderam aos questionamentos da reportagem sobre o
convênio. O espaço segue aberto.
Fonte: agoranoticiasbrasil.com.br/