O anteprojeto do novo Código Civil, aprovado na sexta-feira (5) pela comissão
de juristas que debateu o tema por oito meses, traz uma série de mudanças com
objetivo de revisar e atualizar mais de mil artigos da legislação. Entre as
mudanças, está a ampliação do direito de família, a criação da herança digital,
o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo e a definição de
animais como seres capazes de ter sentimentos e direitos.
O texto prévio será entregue nos próximos dias ao presidente do
Congresso Nacional e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e passará por
discussão no Parlamento, onde ainda poderá ser alterado. Foi Pacheco quem criou
a comissão formada por 38 juristas (com a presença inédita de mulheres na
elaboração do código) em agosto do ano passado. Ao longo dos trabalhos, foram
recebidas mais de 280 sugestões da sociedade.
O Código Civil é tido como a "constituição do cidadão comum", com regras
sobre toda a vida de uma pessoa, além de antes do nascimento e depois da morte.
O texto cita direitos, deverem e obrigações. Também trata sobre empresas,
sucessão e herança, além de intimidade, liberdade de expressão e proteção à
criança.
O anteprojeto abre caminho para autorização legal do casamento entre pessoas
do mesmo sexo ao excluir a expressão "homem e mulher" da atual legislação,
quando há referência a casal ou família, e adotar o termo "duas pessoas", os
tratando como "conviventes". Com a revisão, o artigo poderá ficar da seguinte
forma: "O casamento se realiza quando duas pessoas livres e desimpedidas
manifestam, perante o celebrante, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal
e o celebrante os declara casados."
Na prática, legitima entendimento unânime do Supremo Tribunal Federal
(STF) que reconheceu, em 2011, a união homoafetiva e que parlamentares da ala
conservadora tentaram derrubar no ano passado. A vedação foi aprovada pela
Comissão de Família da Câmara, mas não avançou nas outras etapas de análise
exigidas para virar lei. O anteprojeto também inclui os termos "sociedade
conjugal" e a "sociedade convivencial", que tratam, basicamente, sobre o
casamento ou união estável.
Conceito de família e personalidade civil
O debate amplia o conceito de família ao considerar vínculos conjugais e
não conjugais. O conjugal é formada pelo casal que, sem impedimentos para o
casamento, tenha convívio estável, contínuo, duradouro e público. O não
conjugal é marcado pelo convívio de pessoas sob o mesmo teto com
compartilhamento de responsabilidades familiares, e não apenas as de caráter
patrimonial.
A definição pode ser entendida pelo convívio da socioafetividade, no
caso de relações baseadas no afeto, e não no vínculo sanguíneo, e não trata
somente de casais. Nesse caso, não há alteração do estado civil de pessoas,
apenas a criação de obrigações comuns e recíprocas de suporte de sobrevivência
e de sustento dos que dividem a mesma casa. Famílias monoparentais, formadas
por mães ou pais solo, também são reconhecidos.
Não há qualquer citação ao aborto, como foi dito em fake news que
circularam na internet. Há reconhecimento da personalidade civil do ser humano
no nascimento com vida e a garantia de direitos do nascituro desde a concepção.
O texto prévio define a legalidade da "barriga de aluguel" e da doação de
gametas, mas veda o caráter lucrativo ou comercial dessas práticas. No caso da
cessão temporária do útero, deve haver preferência por alguém que tenha
parentesco com os futuros pais.
Também há mudanças sobre a forma como animais são reconhecidos pelo
Estado. Eles passam a ser considerados seres vivos sencientes (ou seja, que
podem ter sensações e sentimentos de forma consciente) e passíveis de proteção
jurídica própria a ser definida por lei especial. Atualmente, a doutrina
jurídica vê animais como bens móveis com a seguinte definição: "suscetíveis de
movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância
ou da destinação econômico-social".
Doação de órgãos
A sugestão construída pelos juristas também facilita a forma de doação
de órgãos. De acordo com o texto do anteprojeto, a retirada de tecidos, órgãos
e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade
terapêutica não dependerá de autorização de qualquer integrante da família
quando a pessoa morta tiver deixado por escrito, ou mesmo averbado em qualquer
documento pessoal, autorização expressa para a doação.
Quando não houver essa manifestação expressa do falecido, será
necessária a autorização do cônjuge, convivente ou parente. A exigência será a
maioridade e a obediência à linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo
grau, firmada em documento com testemunhas presentes na verificação da morte.
Nova forma de divórcio
O novo Código Civil passa a ter uma modalidade de divórcio ou dissolução de
união estável inédita, que poderá ser solicitada de forma unilateral. Dessa
forma, uma só pessoal do casal poderá pedir a separação, mesmo sem consenso,
sem que haja necessidade de uma ação judicial. Para isso, basta ir ao cartório
no qual foi registrada a união. Após o pedido, o outro cônjuge ou convivente
será notificado e, se não atender em um prazo de cinco dias, o divórcio será
efetivado.
A legislação atual prevê três tipos de divórcio: judicial, quando há
divergência; consensual, quando há comum acordo sobre as cláusulas; e
extrajudicial, que pode ser feito em cartórios com consenso do casal e
condições específicas.
Direito digital e liberdade de expressão
São considerados inovações trechos sobre direito e herança digital, para que os
bens digitais de uma pessoa falecida façam parte do espólio. Na lista, estão
informações acumuladas em ambiente virtual em nome da pessoa, como senhas,
dados financeiros, perfis de redes sociais, contas, arquivos de conversas,
vídeos e fotos, pontuação em programas de recompensa ou incentivo e qualquer
conteúdo de natureza econômica.
A liberdade de expressão é tratada como um direito garantido, mas há
citações nos trechos que tratam sobre o ambiente digital. O novo código cobra
responsabilidade das plataformas digitais, mas frisa que as práticas de
moderação de conteúdo deverão respeitar a não discriminação e a igualdade de
tratamento, a garantia da liberdade de expressão e a pluralidade de ideias. Ao
mesmo tempo, esses ambientes devem adotar medidas de diligência para mitigar e
prevenir a circulação de conteúdo ilícito.
Fonte: agoranoticiasbrasil.com.br/