Uma das mais tradicionais empresas brasileiras da indústria de defesa
está prestes a ser vendida para um grupo australiano. E o Comando do Exército,
na linha contrária de muitos críticos que levantam preocupações com o risco de
desnacionalização, vê com bons olhos o negócio.
Para os militares, a transferência do controle ajuda na continuidade de
projetos estratégicos desenvolvidos em conjunto com o Exército e garante a
entrega de encomendas multimilionárias feitas pela força terrestre, que estavam
ameaçadas diante da situação pré-falimentar da companhia.
Fundada em 1961 por um grupo de engenheiros do Instituto Tecnológico de
Aeronáutica (ITA), a Avibras tem sede em Jacareí (SP) e foi uma das pioneiras
no país na produção de equipamentos bélicos de ponta, como mísseis e lançadores
de foguetes.
Hoje a empresa é controlada e presidida por João Brasil Carvalho Leite,
filho de um dos fundadores, e está em recuperação judicial. Com dívidas
superiores a R$ 600 milhões e problemas trabalhistas, a Avibras comunicou nesta
segunda-feira (2) a existência de "tratativas avançadas" com o grupo
australiano DefendTex.
"Ambas as companhias estão empenhadas e trabalhando diligentemente para
finalizar os termos e condições específicas do investimento", conclui o
comunicado, de apenas dois parágrafos, divulgado no início desta semana.
Desde então, críticos e especialistas têm manifestado preocupações sobre
o risco de desnacionalização da empresa. Nas redes sociais, perfis de esquerda
pedem alguma ação do governo contra a continuidade do negócio. Têm havido
comparações frequentes com a tentativa de fusão Embraer-Boeing — uma conversa
que nasceu em 2017, durou três anos e acabou não prosperando.
O Exército, no entanto, minimiza problemas e avalia que há aspectos
positivos na operação de transferência do controle da Avibras.
Segundo relatos feitos por oficiais militares à CNN, o Exército tem
cerca de R$ 60 milhões em encomendas à Avibras de produtos que ainda não foram
entregues.
Além disso, o ponto alto da parceria da força terrestre com a empresa do Vale
do Paraíba gira em torno do Astros — um dos projetos estratégicos do Exército.
O Astros tem como objetivo dotar a força com um sistema de foguetes de
artilharia com longo alcance e elevada precisão. A Avibras é parte relevante do
programa.
"Grande parte do programa Astros, naquilo que está relacionado ao
comando de artilharia do Exército e naquilo que toca às capacidades
proporcionadas pela Avibras, já foi entregue. Mais de 80% já foram entregues",
afirmou o general Rocha Lima, chefe do Escritório de Projetos do Exército
(EPEx), em uma live realizada nesta semana pelo canal do analista geopolítico e
oficial da reserva Paulo Filho.
De acordo com o general, o maior projeto pendente de conclusão pela
Avibras é o desenvolvimento do míssil tático de cruzeiro, que permitiria à
artilharia do Exército atingir um alvo a 300 quilômetros de distância com erro
de no máximo nove metros.
Hoje, segundo Rocha Lima, apenas 11 países do mundo têm essa capacidade.
"É algo que daria bastante projeção ao Brasil", explicou.
No entendimento de militares ouvidos reservadamente pela CNN, embora
perto da conclusão do programa Astros, é ruim ter uma empresa em situação
pré-falimentar lidando com projetos estratégicos das Forças Armadas.
Por isso, minimiza-se a transferência de controle para o grupo
australiano. Muitos oficiais do Exército acreditam que o pior cenário é o de
quebra da Avibras e atrasos no programa Astros.
Empresa Estratégica de Defesa
Na avaliação do Exército, um ponto que dá mais tranquilidade ao processo
é o enquadramento de indústrias do setor como Empresa Estratégica de Defesa
(EED).
Companhias classificadas dessa forma se beneficiam com isenção de
Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e PIS/Cofins. Também podem ganhar
licitações do Ministério da Defesa mesmo com preço até 25% superior ao das
concorrentes.
Entre os requisitos para ser uma EED, a empresa precisa ter sede e
administração em território brasileiro, além de assegurar sua continuidade
produtiva no país.
"O conjunto de sócios ou acionistas e grupos de sócios ou acionistas
estrangeiros não [podem] exercer em cada assembleia geral número de votos
superior a 2/3 (dois terços) do total de votos que puderem ser exercidos pelos
acionistas brasileiros presentes", diz um trecho da Lei 12.598, sancionada em
2012.
Ou seja: hoje existe um marco legal que desincentiva um grupo
estrangeiro a simplesmente adquirir uma empresa nacional e afastar-se do país.
Cidadãos brasileiros podem até ter menos ações preferenciais (sem direito a
voto), mas ainda precisarão manter fatia relevante nas decisões garantidas por
ações ordinárias (com direito a voto).
Fonte: agoranoticiasbrasil.com.br/