Filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, a deputada federal Dani Cunha
(União-RJ) apresentou relatório no qual dá superpoderes a bancos e outros
grandes credores em processos de recuperação judicial e falência. O texto, que
substitui um projeto de lei do governo federal, tem sido rechaçado por juízes e
advogados que atuam na área de insolvências.
O projeto de lei enviado ao Congresso pelo ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, em dezembro de 2023, dizia respeito apenas a casos de
falências e já previa que credores pudessem eleger o "gestor judicial", que
substituiria a figura do síndico, mas que, na prática, teria as mesmas funções.
Essa era uma mudança relevante, que já enfrentava resistência de juízes e
juristas.
Quando uma empresa vai à falência é porque ela quebrou e não tem
mais como pagar suas dívidas. Nesses casos, todos os seus bens são leiloados, e
o síndico tem a função apenas de acompanhar e fiscalizar esse processo.
O substitutivo da deputada Dani Cunha fez mudanças significativas
no projeto original, abordando também a lei de recuperações judiciais (RJs),
processos nos quais as empresas continuam abertas e renegociam suas dívidas
para voltar à saúde financeira.
Essas ações representam alguns dos maiores litígios do país. Entre
os processos mais vultosos de RJ, estão os casos Americanas (R$ 40 bilhões em
dívidas), Odebrecht (R$ 98 bilhões) e Oi (R$44 bilhões).
Nomeação de administradores
No caso das recuperações judiciais, o texto da deputada atinge em
cheio o processo de nomeação de administradores judiciais, que são auxiliares
nomeados pelo juiz para fiscalizar e acompanhar o pagamento dos credores, além
da saúde financeira da empresa. Eles ganham honorários sobre o valor da causa,
que é equivalente às dívidas da empresa em recuperação.
O relatório de Dani Cunha prevê que eles também sejam eleitos, com
o detalhe de que as assembleias devem ser compostas por credores que detêm a
maior parte dos créditos da recuperação. Usualmente, são bancos que ocupam essa
posição.
No caso da Americanas, por exemplo, os quatro maiores credores são
instituições financeiras, com os quais a varejista tem R$ 15 bilhões em
dívidas. No processo da Odebrecht, seis bancos estão no topo da lista, com R$
34 bilhões em créditos. O mesmo acontece no caso da Oi.
Quando o projeto original foi apresentado pelo governo federal, a
possibilidade de se eleger o síndico das falências era vista com restrição por
juízes e advogados. A Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) afirmou que
ele já possibilitaria que a escolha do síndico ficasse concentrada
excessivamente nas mãos dos maiores credores. O substitutivo apenas aumentou a
preocupação dos juristas.
O risco visto por eles é o de que, eventualmente, administradores
judiciais possam ser alinhados aos credores graúdos. Assim como peritos, esses
auxiliares são escolhidos por juízes justamente para terem imparcialidade na
condução do processo, sem beneficiar qualquer parte ou credor.
Ex-juiz de recuperações e falências de São Paulo, Daniel Carnio
participou, a convite do Ministério da Fazenda, das discussões para a
elaboração da proposta do governo. Ele afirma discordar do substitutivo da
deputada do União.
Carnio pondera, no entanto, que, mesmo havendo a possibilidade de
bancos terem domínio sobre o quórum das assembleias, isso em nada mudaria, por
exemplo, a ordem de pagamento das dívidas, que começa com a quitação de débitos
trabalhistas.
"Ou seja, para que os bancos recebam um centavo, todos os credores
trabalhistas têm que receber integralmente seus créditos", afirma.
"Os credores são os maiores interessados na falência, pois querem
receber. Acho natural dar a eles algum protagonismo ou ao menos a possibilidade
de escolha do administrador judicial, sem tirar o poder de controle do juiz,
que ainda teria como destituí-lo de ofício", diz Carnio.
O texto chegou a ganhar tramitação de urgência na Câmara e poderia
ter sido votado nesta terça-feira (19/3). O selo, que acelera a votação do
projeto, foi mantido, mas o prazo acabou estendido para que seja aprovado ou
rejeitado até o dia 21/3 no plenário.
A reportagem enviou questionamentos à assessoria da deputada Dani
Cunha (União), que não se manifestou. Procurada, a assessoria do ministro
Fernando Haddad (PT) também não se pronunciou. O espaço segue aberto a
manifestação de ambos.
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