O movimento pela desmilitarização da política encabeçado pelo governo
Lula deu um passo para trás no Congresso Nacional. O cronograma de sessões de
debate da PEC (proposta de emenda à Constituição) que restringe a participação
de integrantes das Forças Armadas na política foi interrompido. O Executivo
teme que a ofensiva da oposição contra o tema prejudique a articulação de pautas
prioritárias e por isso recalcula a rota com negociações internas, corpo a
corpo, para tentar pacificar o debate.
Nos últimos dias, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, esteve no
Senado para articular a favor da PEC. Representando o governo federal, ele se
reuniu com o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), parlamentar que lidera
a oposição contra a matéria. Foi uma conversa inicial, de iniciativa do
ministro, na tentativa de destravar a proposta. No diálogo, foi reforçada a
necessidade das sessões temáticas para amadurecer o entendimento.
Governo e oposição vão promover discussões com convidados. Da parte de
Mourão, um dos nomes chamados para o debate é Aldo Rebello, ministro da Defesa
no governo Dilma Rousseff, Aldo Rebelo. Ele é visto pela cúpula do PT como uma
figura que se aproximou da ala aliada a Bolsonaro.
Na lista também está o desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, que atuou na manutenção da prisão
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2018, e possui forte conexão com a
ala militar.
Buscando ganhar tempo para pacificar o tema, o autor da PEC e líder do
governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), liderou outro requerimento para
sessão temática. Os demais convidados são o comandante da Marinha, almirante
Marcos Sampaio Oslen; o comandante do Exército, general Tomás Ribeiro Paiva; o
comandante da Aeronáutica, tenente-Brigadeiro Marcelo Kanitz Damasceno; o
ex-ministro da Defesa e da Justiça Nelson Jobim; e o ex-ministro da Defesa Raul
Jungmann.
A nova rodada de articulações não tem previsão para acabar e ocorre a
passos lentos. Como no ano passado, Múcio retoma as visitas aos gabinetes. Na
época, as conversas resultaram em uma reformulação da PEC, com regras menos
radicais. Originalmente, o texto tratava de militares que ocupam cargos
políticos, como ministro de Estado, mas essa parte foi retirada durante as
negociações.
Ainda que as conversas do alto escalão do governo gerem resultados, não
há mais pretensão de aprovar uma PEC para começar a valer já para as próximas
eleições. Por parte da oposição, o objetivo é engavetar a matéria. Em caso de
aprovação, já é cogitada a possibilidade de judicializar a regra.
"É de uma inconstitucionalidade terrível. Como não se pode negar o
direito a uma pessoa, busca-se fazer de um a outra forma", disse Mourão. O
senador alega que se trata de um cerceamento drástico para uma parcela pequena
de integrantes das Forças Armadas. "O número de militares da ativa que concorre
é muito pequeno. Para se ter uma ideia, no Exército, na última eleição de 2022,
de um efetivo de 150 mil profissionais, apenas 32 concorreram", justificou.
Desmilitarização da política
A PEC tem o objetivo de garantir a neutralidade política das Forças
Armadas. O texto foi apresentado em setembro de 2023, cinco meses após a
construção de acordo feito pelo ministro da Defesa junto aos comandantes da
Aeronáutica, da Marinha e do Exército. Integrantes do governo avaliam que a PEC
busca delinear a participação de militares na política.
O pano de fundo utilizado pelos interlocutores de Múcio é a
militarização que o ex-presidente Jair Bolsonaro promoveu durante seu mandato.
Diversos integrantes das Forças Armadas que assumiram cargos no governo
Bolsonaro atualmente são alvos de investigações, como o general Eduardo
Pazuello – é investigada a conduta do ex-ministro da Saúde diante do colapso da
saúde pública em Manaus (AM), que registrou falta de oxigênio em hospitais
durante a pandemia de Covid-19.
Há também uma preocupação com a participação de militares, que tinham
relação próxima com o ex-chefe do Executivo, em ações golpistas, como na
manutenção do acampamento em frente ao quartel do Exército, em Brasília. A PF
(Polícia Federal) investiga 16 membros das Forças Armadas que teriam relação
com a divulgação de notícias falsas sobre as eleições presidenciais de 2022.
Neste caso, são exemplos o coronel do Exército e ex-ajudante de ordens
de Bolsonaro, Marcelo Câmara, e o general Braga Netto, que foi candidato a vice
na chapa do ex-presidente em 2022. O órgão apura o envolvimento de ministros do
ex-chefe do Executivo, como Augusto Heleno (GSI) e Paulo Sérgio Nogueira
(Defesa).
A oposição discorda dos argumentos do governo. O senador Flávio
Bolsonaro (PL-RJ) afirma que a PEC "é preconceituosa" e segrega membros das
Forças Armadas. "Não vemos o mesmo tratamento querendo ser dado a outras
carreiras de Estado, que têm talvez até mais influência ou possibilidade de
promover algum desvirtuamento da máquina pública do que os militares. Por que
só com os militares?", questionou.
O que diz a PEC?
A PEC busca restringir a candidatura militar. De acordo com a proposta,
só candidatos dessa categoria com mais de 35 anos de serviço poderão passar
para a reserva remunerada. Abaixo desse tempo de atividade, o agente vai para a
reserva não remunerada no ato do registro no tribunal eleitoral.
Pelas regras atuais, se o militar tiver mais de dez anos de serviço, vai
temporariamente para um tipo de inatividade com remuneração, podendo voltar à
ativa se não for eleito. Aqueles com menos de dez anos de serviço são afastados
para a reserva não remunerada.
Caso seja aprovado, o texto vale a partir de um ano da data da vigência.
A PEC precisa do sinal verde de no mínimo dois terços da Casa em dois turnos de
votação. Não há data para análise da proposta dos militares.
Fonte: agoranoticiasbrasil.com.br