O procurador-geral da República,
Paulo Gonet, assinou parecer favorável à operação mirando aliados do
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) quatro dias depois de ter tomado posse no
comando da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Gonet assumiu como procurador-geral no dia 18 de dezembro. A
manifestação dando aval à operação deflagrada nesta quinta-feira (8) pela
Polícia Federal foi assinada no dia 22 de dezembro.
Ao dar aval à operação, Paulo Gonet se manifestou favorável à
prisão preventiva de quatro aliados de Bolsonaro.
As mensagens encontradas em aparelhos do tenente-coronel Mauro
Cid, ex-ajudante-de-ordens de Bolsonaro, embasaram o parecer do
procurador-geral.
A posição adotada por Gonet na investigação contrasta com a que
vinha sendo empregada na gestão de seu antecessor em apurações mirando
Bolsonaro e pessoas próximas a ele.
Sob o comando de Augusto Aras, a PGR foi acusada de ser leniente
com o ex-presidente e de ter atuado para não avançar com investigações mirando
Bolsonaro e seus aliados. Aras sempre rechaçou as acusações.
Foi durante a gestão Aras que a PGR questionou a delação do
tenente-coronel Mauro Cid, que embasou a operação desta quinta-feira. A PGR se
queixava de ter sido deixada de lado nas negociações que levaram ao fechamento
do acordo com a PF é que depois foi validado pelo ministro Alexandre de Moraes.
A PGR de Aras desmoralizou a delação e acusou a PF de firmar um
acordo sem provas concretas, apenas baseado-se em narrativas do ex-auxiliar de
Bolsonaro.
Gonet se manifestou a favor da prisão preventiva de um ex-assessor
de Bolsonaro e três militares próximos ao ex-presidente. Moraes autorizou as
quatro prisões, mas até o momento apenas três foram cumpridas — um dos alvos
mora nos Estados Unidos.
Filipe Martins, ex-assessor especial de Bolsonaro
Gonet afirma em seu parecer que o ex-assessor especial para Assumtos
Internacionais de Bolsonaro atuou na ala radical do governo passado.
O procurador-geral diz que as provas levantadas na investigação
mostram que, em novembro de 2022, Filipe Martins entregou a Bolsonaro um
documento com "considerandos" a respeito de supostas interferências do Poder
Judiciário no Poder Executivo.
Esse documento, de acordo com Gonet, sugeria a decretação de
prisão de diversas autoridades, entre elas os ministros Alexandre de Moraes e
Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, e o senador Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), presidente do Congresso.
Gonet afirma que Bolsonaro teria lido o documento e solicitado que
Martins alterasse as ordens contidas na minuta. "O representado [Filipe Martins],
então, retornou alguns dias depois ao Palácio da Alvorada, acompanhado do
referido jurista [Amauri Feres Saad], com o documento alterado, conforme as
diretrizes dadas", relata Gonet.
Com a nova versão em mãos, Bolsonaro teria convocado os comandantes
do Exército, da Marinha e da Aeronáutica "para que comparecessem ao Palácio da
Alvorada, no mesmo dia, a fim de apresentar-lhes a minuta e pressioná-los a
aderir ao golpe de Estado".
Filipe Martins participou da reunião em que Bolsonaro apresentou a
minuta do decreto golpista à cúpula das Forças Armadas, diz o procurador-geral.
"O ex-assessor Filipe Martins exercia posição de proeminência nas
tratativas jurídicas para a execução do golpe de Estado, por meio da
intermediação com pessoas dispostas a redigir os documentos que atendessem aos
interesses da ala mais radical", sustenta Gonet.
O procurador-geral afirma ainda que o nome de Filipe Martins
figura na lista de passageiros que viajaram a bordo do avião presidencial para
Orlando, nos Estados Unidos, em 30 de dezembro de 2022.
Diante da informação da Polícia Federal de que não existem
registros da saída de Martins no controle migratório, o procurador-geral
suspeitou que ele pudesse ter fugido do país para "se furtar de eventuais
responsabilizações criminais".
Marcelo Câmara, coronel e ex-assessor especial
Gonet destaca que o coronel da reserva, formado nas Forças Especiais do
Exército, atuou como assessor especial da Presidência da República e era
considerado um dos mais próximos auxiliares de Bolsonaro.
"Ele era responsável pelo núcleo de inteligência paralela,
coletando informações sensíveis e estratégicas, com aptidão para auxiliar a
tomada de decisões do ex-presidente da República", diz Gonet.
O procurador-geral ressalta que as inúmeras trocas de mensagens
entre Marcelo Câmara e Mauro Cid, sobretudo a partir de 15 de dezembro de 2022,
demonstram sua forte atuação no monitoramento do itinerário, do deslocamento e
da localização de Alexandre de Moraes.
"O acesso privilegiado às informações sensíveis e às
circunstâncias identificadas evidenciam ações de vigilância e monitoramento em
níveis avançados, o que pode significar que, sobretudo por meio da atuação de
Marcelo Costa Câmara, o grupo criminoso utilizou equipamentos tecnológicos fora
do alcance legal das autoridades de controle oficiais", afirma Gonet.
O procurador-geral defende a prisão preventiva do coronel alegando
não ser possível saber se o monitoramento de Moraes e de outras autoridades do
Judiciário foi interrompido.
Rafael Martins, major das Forças Especiaus do Exército
Paulo Gonet aponta o major Rafael Martins de Oliveira como interlocutor de
Mauro Cid na "coordenação de estratégias adotadas pelos investigados para a
execução do golpe de Estado e para a obtenção de formas de financiar as operações
do grupo criminoso".
As trocas de mensagens entre o major e o tenente-coronel
demonstram que Rafael Martins solicitou orientações a Mauro Cid quanto aos
locais para a realização das manifestações após a derrota de Bolsonaro nas
eleições.
O major também perguntou a Cid "se as Forças Armadas garantiriam a
permanência e a segurança das pessoas no local, inclusive, logrando a
confirmação de que os alvos seriam o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal
Federal".
Em 14 de novembro daquele ano, Rafael Martins entrou em contato
com Mauro Cid, pedindo cerca de R$ 100 mil para "custos com hotel, alimentação
e material".
A Polícia Federal, ressalta Gonet, aponta que o major "atuou de
forma direta no direcionamento dos manifestantes para os alvos de interesse dos
investigados, além de realizar a coordenação financeira e operacional para dar
suporte aos atos antidemocráticos e arregimentar integrantes das Forças
Especiais do Exército, para atuar nas manifestações, que, em última análise,
não se originavam da mobilização popular".
A conclusão de Gonet, tendo em vista os elementos colhidos na
investigação, é a de que se o major continuasse solto "colocaria em risco a
garantia da ordem pública".
Bernardo Romão Corrêa Neto, coronel e então assistente do
Comandante Militar do Sul
Gonet sustenta em seu parecer que os diálogos encontrados no celular de Mauro
Cid demonstram que Corrêa Neto intermediou o convite para uma reunião, em 28 de
novembro de 2022, com oficiais formados no curso de forças especiais, os kids
pretos, "providos, pois, de técnicas militares úteis para a consumação do golpe
de Estado, e assistentes dos generais supostamente aliados".
Na noite do mesmo dia, o coronel enviou para Mauro Cid a minuta de
uma "carta ao comandante do Exército de oficiais superiores da ativa do
Exército brasileiro".
Gonet afirma que o documento provavelmente fora discutido na
reunião e utilizado para pressionar o então comandante do Exército, general
Freire Gomes.
"A investigação identificou que Correa Neto agia como homem de
confiança de Mauro Cid, executando tarefas fora do Palácio da Alvorada que o
então Ajudante de Ordens da Presidência da República não conseguiria
desempenhar, em virtude de seu ofício", diz Gonet.
Ao defender a ordem de prisão, o procurador-geral afirma que
Corrêa Neto poderia interferir nas investigações. Gonet afirma ainda que, pelo
fato de estar em missão nos Estados Unidos até junho de 2025, o coronel pode
ter agido "para se furtar ao alcance das investigações e, consequentemente, da
aplicação da lei penal".
Corrêa Neto não havia sido preso até a publicação desta
reportagem.
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