FOLHAPRESS – A área econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estuda
criar um teto para o desconto de despesas médicas no IRPF (Imposto de Renda da
Pessoa Física), a exemplo da regra existente atualmente para gastos com
educação.
O tema é sensível politicamente, mas técnicos do governo têm a avaliação
de que a falta de um limite acaba privilegiando contribuintes com renda mais
alta. Além disso, o abatimento tem sido fonte de abusos e um ralo para a
arrecadação pública.
Um exemplo conhecido dessas distorções, que há muitos anos as diferentes
administrações tentam conter, é o desconto de despesas com botox (substância
usada em procedimentos estéticos) -em muitos casos declarado como um gasto
voltado ao tratamento de doenças dermatológicas.
A legislação brasileira permite que despesas com médicos, dentistas,
psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, exames
laboratoriais, hospitais, clínicas e planos de saúde sejam abatidas
integralmente da base de cálculo do IR a ser pago, independentemente do valor.
Como as alíquotas são estimadas sobre uma base menor, o contribuinte
recolhe menos imposto.
O valor da renúncia ligada à dedução das despesas médicas no IRPF foi
crescente na última década, passando de R$ 11,8 bilhões, em 2010, para R$ 18,3
bilhões, em 2020 (em valores de 2020).
Em 2022, o montante total de gastos com saúde deduzido pelos
contribuintes chegou a R$ 128 bilhões. Ao não cobrar imposto sobre esses
valores, a Receita teve uma perda de arrecadação de R$ 17 bilhões, segundo
dados do órgão.
Um relatório anterior do governo mostrou que apenas 0,8% das deduções
médicas são usadas pelos 50% mais pobres da população, enquanto 88% contemplam
os 20% com maior renda.
As discussões sobre o IR fazem parte de uma força-tarefa para
identificar políticas públicas que possam ser reformuladas ou até mesmo
revistas para abrir espaço no Orçamento nos próximos anos.
A viabilidade técnica e política dessas iniciativas será alvo de
discussão na JEO (Junta de Execução Orçamentária), colegiado formado pelos
ministros da Fazenda, Planejamento, Casa Civil e Gestão.
O grupo vai analisar uma lista de políticas que poderão ser modificadas,
debater quais são viáveis e dar sinal verde para o Executivo buscar as mudanças
necessárias. O objetivo dessa estratégia é obter respaldo político dentro do
próprio governo para bancar as alterações, muitas delas impopulares.
Além disso, o governo quer usar o fórum da JEO para instituir uma
espécie de incentivo aos órgãos para ampliar a eficiência de suas políticas.
Uma ideia preliminar é preservar de eventuais contingenciamentos aqueles
ministérios mais empenhados na revisão, que também poderiam ganhar prioridade
nas solicitações de recursos decididas pela junta de ministros.
Em janeiro de 2023, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) defendeu um
pente-fino nas deduções do Imposto de Renda.
"A primeira providência é fazer um pente-fino em abuso. Toda vez que não
tem teto, limite de dedução, se identifica abuso", disse à época, em entrevista
ao portal Brasil 247.
O tema, porém, é sensível e deve acirrar os debates dentro do governo.
Na MP (medida provisória) da reoneração da folha de pagamentos dos 17
setores, uma prévia desse debate já levou à proposta de fim do Perse (Programa
Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) -criado durante a pandemia e que
resultou em uma renúncia até sete vezes o previsto, segundo a equipe econômica.
O novo arcabouço fiscal atrela o reequilíbrio das contas públicas em
grande parte ao aumento da arrecadação, mas há uma avaliação entre técnicos de
que a munição de Haddad para elevar receitas pode estar no fim -o que fortalece
o movimento de avaliação na parte das despesas.
O presidente do BC, Roberto Campos Neto, manifestou essa opinião
recentemente.
"A gente tem uma renda per capita relativamente baixa para uma carga
fiscal que é relativamente alta. Então, mostra que tem pouco espaço de manobra
em termos de arrecadação adicional", disse há menos de um mês.
Segundo interlocutores, há também certo consenso dentro do governo de
que não há clima para debater mudanças em algumas políticas, como o abono
salarial -espécie de 14º salário pago a trabalhadores formais com renda de até
dois salários mínimos.
Embora haja uma série de avaliações que apontam a ineficiência do
benefício, previsto na Constituição, o cálculo dentro do Executivo é que não há
como comprar essa briga em ano de eleições municipais.
O Orçamento do governo segue apertado com a meta de zerar o déficit das
contas públicas e buscar o superávit de 1% do PIB em 2026 para conter a alta da
dívida pública.
O diagnóstico dos técnicos é que o governo precisa de fato enfrentar a
agenda de revisão de gastos que tenham dimensão relevante.
Em 2021, o Executivo publicou o relatório da avaliação feita pelo
Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (Cemap) das
deduções médicas no IRPF.
A conclusão, que é usada pelo governo nas discussões, é que esse
benefício tributário teria de passar por um redesenho por causa dos efeitos
distributivos regressivos. Ou seja, quem tem uma renda maior acaba sendo mais
beneficiado pelas deduções.
O relatório projetou um crescimento real (acima da inflação) das
deduções de 65% até 2030, principalmente em decorrência do envelhecimento da
população brasileira.
O benefício de dedução de despesas médicas do IRPF é disciplinado pelo
artigo 8º da lei 9.250/95. Para alterá-lo, portanto, é necessário obter aval do
Congresso.
As discussões são feitas enquanto o governo precisa preparar uma
proposta de reformulação na tributação da renda. A iniciativa é exigida pela
emenda constitucional da reforma tributária sobre o consumo, promulgada no mês
passado e que dá 90 dias para o projeto do Executivo sobre o tema chegar ao
Congresso.
O presidente da Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da
Receita Federal), Mauro Silva, defende que o teto para o abatimento seja
suficiente para acomodar os gastos com planos de saúde de uma família e não
fique em um nível muito baixo, como o limite para a dedução das despesas com
educação.
O limite hoje das despesas com educação anual é de R$ 3.561,50. Silva
defendeu uma maior ação da fiscalização para coibir fraudes, como as que
ocorrem como a dedução ilegal de despesas com botox.
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