Os preços das passagens aéreas
têm pesado cada vez mais no bolso dos brasileiros. Entre setembro e dezembro do
ano passado, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), a alta acumulada dos bilhetes é de espantosos 81,93%.
Dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15
(IPCA-15, considerado a prévia da inflação oficial do país) mostram que o item
foi aquele que exerceu a maior influência sobre o resultado geral do indicador
em dezembro, respondendo por 0,09 ponto percentual (o IPCA-15 ficou em 0,4% no
mês passado).
Em dezembro de 2023, ainda de acordo com o IBGE, a variação dos
preços das passagens aéreas foi de 9,02%, desacelerando em relação aos 19,03%
de novembro. Antes disso, foram outras duas altas mensais acima de dois dígitos
(13,29% em setembro e 23,75% em outubro). No ano passado, o preço das passagens
subiu 48,11%, o terceiro ano consecutivo acima de dois dígitos (16,76% em 2021
e 24,02% em 2022).
Os dados do IBGE indicam que a alta nos preços das passagens aéreas
para viagens dentro do país, entre janeiro e novembro de 2023, foi de 35,24%. O
último levantamento da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), divulgado em
outubro, mostra que o valor médio do bilhete foi de R$ 741,47 – o maior da
série histórica iniciada em 2010. No mesmo período do ano anterior, esse preço
estava em R$ 669,12 (10,8% mais barato).
O que explica a disparada dos preços
Segundo especialistas ouvidos pela reportagem do Metrópoles, uma combinação de
fatores explica a alta das passagens aéreas no Brasil. A valorização do dólar
frente ao real nos últimos anos e o aumento no preço do querosene de aviação
estão entre eles. No acumulado entre 2022 e 2023, o combustível registrou uma
variação de 29,35%, muito acima da inflação no período.
O principal motivo para a disparada nos preços das passagens, no
entanto, está relacionado à reestruturação do setor aéreo após a pandemia de
Covid-19 e, principalmente, ao comportamento dos consumidores.
"Há um problema estrutural. Na pandemia, como todo o setor de
transportes, o segmento aéreo sofreu muito e não recebeu nenhum grande
incentivo, diferentemente do que ocorreu com o transporte público urbano de
massa, como o metrô, o trem ou mesmo os táxis. As empresas tiveram de manter
uma infraestrutura cara mesmo sem voos, sem passageiros, sem vender passagens.
Para um setor que é caro e tem praticamente todos os seus custos em dólar, é um
cenário complexo e desafiador", explica André Braz, coordenador do Índice de
Preços ao Consumidor (IPC) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação
Getulio Vargas (FGV Ibre).
"Foi necessário que esse setor ficasse mais leve. Tudo o que não
era indispensável acabou tendo o custo reduzido naquele momento. O setor
demitiu muita gente, diminuíram posições de atendimento em aeroporto e
diminuíram posições para aeronaves", afirma. "Eles não tiveram tempo de se
preparar para a retomada. Diminuíram custos e a normalização da circulação
urbana aconteceu dentro de uma estrutura menor do que aquela que existia antes
da pandemia. Por causa disso, é muito mais difícil você agora oferecer
passagens a preços competitivos. Esse é o verdadeiro problema."
De fato, em 2020, no primeiro ano da pandemia, quando o setor de
aviação foi duramente atingido pelas restrições impostas para o combate ao coronavírus,
os preços das passagens recuaram mais de 27% em maio e 26% em junho. Mais para
o fim do ano, voltaram a subir.
Outro ponto fundamental, destaca Braz, é a demanda que se mantém
elevada, mesmo diante de preços mais altos. "Mesmo com os preços subindo tanto,
nós temos aeroportos ainda lotados. Isso faz com que os preços não cedam tanto.
É a lei da oferta e da procura", diz. "A aviação é um negócio como outro
qualquer. Se você fixa o preço lá em cima e, ainda assim, está conseguindo
vender passagens, é porque você está praticando o preço certo. As empresas só
vão sentir a partir do momento em que o consumidor disser "não" para esses
preços e optar por outros tipos de transporte. Isso deve acontecer
gradualmente."
Carla Beni, professora de MBA da FGV, também destaca o movimento
do consumidor como preponderante para o comportamento dos preços no setor
aéreo. "Houve uma mudança de comportamento do consumidor depois da pandemia.
São consumidores que resolveram realizar desejos e sonhos que estavam
adormecidos, como as viagens. Depois da pandemia, as pessoas desejaram voltar a
viajar", observa.
Segundo Beni, houve, nos últimos anos, "um aquecimento gigantesco
do setor de turismo e eventos em geral", o que impulsionou as viagens pelo
país. "Tudo isso deu um dinamismo muito grande para o setor aéreo. Criou-se uma
demanda, que está absorvendo esse aumento de preços. Em outras palavras, as
pessoas estão aceitando pagar mais caro pelas passagens", explica.
"Se tem demanda, por que vão reduzir os preços? As pessoas estão
absorvendo esse patamar para as passagens. Todo mundo reclama, mas todo mundo
paga. Os voos estão lotados, em sua maioria. E este é um fenômeno global no
pós-pandemia, não apenas do Brasil", afirma Beni.
Em meados de dezembro, o governo federal anunciou algumas medidas
com o intuito de diminuir os preços das passagens aéreas no país. O anúncio,
feito em conjunto entre o Ministério de Portos e Aeroportos e representantes
das principais companhias do setor no Brasil, se baseou na promessa de aumentar
as ofertas de assentos aos clientes com valores promocionais.
A Azul, por exemplo, se comprometeu a oferecer 10 milhões de
assentos por até R$ 799 em 2024. A Gol prometeu 15 milhões de assentos com
preços até R$ 699, além de ações promocionais a cada semana. Em ambos os casos,
no entanto, o teto de preço estabelecido para os 25 milhões de assentos
oferecidos pelas duas empresas está acima do valor do tíquete médio calculado
pela Anac.
A Latam, por sua vez, não fixou um lote de passagens com preços
reduzidos, mas informou que fará promoções semanais para um destino específico
por valores sempre abaixo de R$ 199.
Além das medidas anunciadas pelas companhias aéreas, o governo
federal informou que, por meio do programa Voa Brasil, serão destinadas
passagens por até R$ 199 para aposentados e beneficiários do Programa
Universidade para Todos (ProUni). Os detalhes devem ser anunciados até o fim do
mês.
"Programas do governo são sempre bem-vindos, mas têm de ser vistos
com algum cuidado", pondera André Braz, da FGV. "Incentivos para a terceira
idade são salutares, é um público específico, tem maior flexibilidade e não
precisa enfrentar períodos de alta demanda para viagens. Pode viajar na baixa
temporada, na qual os custos são mais baixos. Esses programas podem ajudar, mas
não vão resolver esse problema estrutural. Você precisa dar os incentivos
corretos para que as empresas possam se equipar melhor", avalia.
Segundo Braz, para além da oferta de passagens promocionais e de
benefícios a grupos específicos, o governo deveria se preocupar com a "abertura
de mercado", mas "com cuidado".
"Você pode convidar outras companhias aéreas a participarem desse
mercado para haver uma competição saudável sobre preço. Mas não é para ter uma
competição predatória", diz. "Não é para uma empresa superpoderosa, com uma
margem enorme, entrar no mercado e matar as outras que existem. Não é bem
assim. É preciso ter um bom planejamento para aquecer o setor aéreo."
Fonte: agoranoticiasbrasil.com.br