Cerca de 2 mil pistolas e fuzis apreendidos na Operação Dakovo voltam para as ruas nos próximos dias, nas mãos de policiais do Paraguai. A ação mirou um esquema de tráfico internacional de armas da Europa que abastecia as duas maiores facções no Brasil, o Comando Vermelho e o PCC.
O lote cedido à polícia do Paraguai é parte do arsenal apreendido pela Polícia Federal em 5 de dezembro. A operação uniu Brasil, Paraguai e Estados Unidos.
De 2019 a 2023, a organização criminosa transnacional liderada por Diego Hernan Dirisio teria traficado mais de 43 mil armas pesadas de países do leste europeu, via Paraguai, para o Brasil. A PF acredita que R$ 1,2 bilhão foram movimentados em três anos no esquema e tráfico internacional de armas.
O "senhor das armas" – como Dirisio passou a ser chamado pela imprensa – e sua mulher, a ex-modelo Julieta Nardi, estão foragidos desde a deflagração da Operação Dakovo. Ambos estão na lista vermelha da Interpol.
Dirisio e Julieta estão no banco dos réus da Justiça brasileira desde a penúltima semana de dezembro, junto com outras 26 pessoas, entre elas lideranças do CV e do PCC e militares do Paraguai. A instrução do processo começa neste ano, com produção de provas pelo MPF e defesas, depoimentos, para decisão da Justiça.
O Ministério Público Federal (MPF) na Bahia pediu abertura de processo criminal contra eles por 55 crimes de:
- tráfico internacional de armas
- lavagem de dinheiro
- organização criminosa transnacional
A denúncia, de 616 páginas, é assinada pelos seis procuradores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPF da Bahia: Roberto D"Oliveira Vieira, Marcela Régis Fonseca, Flávio Ferreira da Costa Matias, Ana Paula Carneiro Silva, Melina Castro Montoya Flores e Tiago Modesto Rabelo.
O processo penal aberto na 2ª Vara Federal da Bahia contra os 28 investigados da Dakovo é o primeiro no Brasil. Os alvos também serão processados no Paraguai e nos Estados Unidos, por onde passava o dinheiro usado nas compras do arsenal importado da Europa.
Com base no documento que abriu o processo criminal do MPF, o SBT News detalhou a acusação contra o senhor das Armas e seus comparsas e destacou exemplos de provas reunidas pelo MPF.
São perícias, dados de quebras de sigilos bancários, telefônicos e de e-mails, lista de apreensões, compradores, nomes de agentes envolvidos, documentos de liberação oficial, entre outros. Material reunido pelo MPF e aceito pela Justiça para abrir o processo contra os alvos demonstra o uso de empresas e documentos de laranjas para compra, venda e registro das armas, conversas entre lideranças do CV e do PCC com intermediários do esquema, que atuam na fronteira Brasil-Paraguai e conversas de militares do governo paraguaio.
Dirisio é considerado pela PF um dos maiores traficantes de arma da América do Sul. O esquema funcionava assim: a empresa IAS-PY, que pertence ao "senhor das armas", importava o armamento com ajuda de militares do órgão paraguaio, que libera negócios e registros. Depois simulava a venda para terceiros (alguns laranjas) e redirecionava metralhadoras, fuzis e pistolas, de modo clandestino, para o mercado brasileiro.
No processo, os alvos foram divididos em seis núcleos, conforme suas funções na organização criminosa. Dirisio é o cabeça do esquema. Segundo o MPF, ele participava de todas as etapas do negócio.
Núcleos da organização criminosa:
- núcleo central – Dirisio e a mulher são os cabeças, responsáveis pela coordenação e pelo controle dos demais núcleos;
- núcleo vendedores – funcionários da IAS-PY, de Dirisio, que faziam as vendas para os intermediários e para as facções no Brasil;
- núcleo Dimabel (agentes públicos) – militares da agência do governo do Paraguai que autoriza a importação a venda das armas no país;
- núcleo intermediários – pessoas vinculadas às facções do Brasil que, no Paraguai, fazem as adulterações das armas importadas;
- núcleo compradores – membros do CV, no Rio de Janeiro, e do PCC, em São Paulo, que compram as armas do Paraguai;
- núcleo de lavagem do dinheiro – doleiros e pessoas de confiança de Dirisio que cuidavam das movimentações para compra e importação das armas.
O chefão em fuga
No dia 5 de dezembro, quando a PF e policiais do Paraguai foram para rua cumprir os 31 mandados de prisão e 54 de busca e apreensão da Dakovo, nos três países, as investigações já entravam no quarto ano, com farto material coletado e analisado.
Iniciada pela PF na Bahia, a apuração contou depois com a parceria da Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) do Paraguai e da Força-Tarefa Internacional de Combate ao Tráfico de Armas e Munições (Ficta), da Homeland Security Investigations (HSI), nos Estados Unidos.
Dirisio e a mulher estão foragidos desde o dia 5. Após a notícia de que as armas apreendidas no Paraguai seriam doadas à polícia, um site local publicou uma suposta entrevista com o réu em que ele critica a doação e diz ser inocente.
Foi em uma viagem para uma feira de armas na Alemanha, em 2019, com a mulher, Julieta, que Dirisio passou a ser interessar pelas armas da Croácia, no leste europeu, apontaram as apurações. Na feira, a ex-modelo, que é vice-presidente da IAS-YP, envia fotos de fuzis.
Os documentos estão em um subitem da denúncia em que o MPF aponta o papel ativo de Julieta na organização, não só em relação ao tráfico de armas, mas também envolvendo a corrupção de agentes da Dimabel. Diálogo interceptado "revela que Julieta não apenas tinha conhecimento de que as armas importadas pela IAS-PY tinham como destino ilegal o Brasil, mas também que atuava na vigilância dos órgãos de segurança do país".
As armas eram importadas da Croácia inicialmente, mas com as apurações da PF, a empresa suspendeu as vendas a Dirisio, que passou a comprar da Turquia, Eslovênia e República Tcheca, explicou o superintendente da PF na Bahia, o delegado Flávio Albergaria. "As armas não eram apreendidas no Brasil e assim que ele passa a importar no Paraguai, no Brasil, as apreensões começaram."
Lavagem de dinheiro nos EUA
O dinheiro saía de empresas de fachada no Brasil e no Paraguai e caía na conta da Pallares Enterprises LLC, com sede nos Estados Unidos. De lá, era enviado em dólares para contas de "fábricas de armas, fornecedoras de explosivos e transporte marítimo" de países da Europa e para a Turquia.
Os procuradores da República, do Gaeco da Bahia, montaram diagramas dos esquemas de envio de dinheiro para a Pallares e também dela para as empresas na Europa.
Quem operava a fortuna de Dirisio para as compras de armas da Europa era Eduardo Tomas Pallares Viveros. "Diego Dirisio tinha à sua disposição US$ 673,6 mil em 2021 e US$ 4,34 milhões em 2022 em conta administrada" por Viveiros, afirma a denúncia do MPF.
"O valor é incompatível com sua renda conhecida no Paraguai e na Argentina", informa a acusação. Nela, os procuradores pedem o confisco de US$ 5 milhões do patrimônio do "Senhor das Armas".
O cruzamento de dados mostrou que pedidos feitos por membros das facções eram acompanhados de repasses de valores de empresas controladas por elas, como a DDM Aviação, de um velho conhecido da PF, David Ferreira, o Comandante Ferreira.
Do leste europeu à fronteira do Brasil
Dakovo é o nome de uma cidade de 28 mil habitantes, na Croácia, onde estão instaladas fábricas das armas que eram importadas pela IAS-PY.
Para operacionalizar as compras de armas dos fabricantes do Leste Europeu e da Turquia, o "Senhor das Armas" usava funcionários da IAS-PY, chamados de "núcleo vendedores", segundo o MPF. Eram eles que faziam a ponte entre as fornecedoras e os intermediários, no Paraguai, que faziam a venda para os brasileiros e cuidavam das adulterações das armas.
O MPF montou um mapa mostrando diversos repasses de valores da Pallares LLC, relacionados à empresa IAS-PY, para empresas fornecedoras de armas da Croácia, Turquia, Eslovênia e República Tcheca, com os respectivos valores. Anexou também os documentos obtidos como comprovantes de transferências para as fornecedoras.
A principal fornecedora era a HS Produkt, da Croácia, no início, mas que acabou suspendendo as vendas, após uma ação da PF. Estão na lista ainda as empresas Sarsilmaz (Turquia), Luvo Prague (República Tcheca) e Arex Defense.
Envolvimento de militares paraguaios
Para conseguir colocar as armas importadas no Paraguai de uma forma aparentemente legal, Dirisio contava com a ajuda de funcionários da Diretoria de Material Bélico (Dimabel). Segundo a denúncia, eles eram corrompidos com dinheiro e presentes.
Treze paraguaios foram presos na Dakovo e estão com pedido de extradição para serem processados e julgados no Brasil. Na lista está o coronel do Exército paraguaio Bienvenido Santiago Fretes Gonzales.
Chamado pelo MPF de Núcleo Dimabel, eram eles que autorizaram a entrada das armas e depois o registro, em nome de laranjas.
"Ao longo das investigações, foi constatado que a influência de Diego Hernan Dirisio na Dimabel é primordial para o êxito da empreitada criminosa", registra a denúncia do MPF.
Em evento com com o presidente paraguaio, Santiago Peña Palacios, na 6ª feira (29.dez), o armamento foi entregue oficialmente ao Ministério Público, para repassar à polícia.
Armas importadas: facções S.A.
As armas compradas na Europa pela IAS-PY abasteciam as facções CV e PCC no Brasil, segundo mostraram as investigações. O MPF listou 67 ações de apreensões de armas na Dakovo, para mostrar como o armamento importado pela IAS-PY tinha como destino as facções criminosas.
O MPF reuniu provas de quebras de sigilos e análises periciais que comprovam que as armas importadas pela IAS-PY tinham como destino as facções criminosas.
Para "esquentar" as armas, elas eram registradas em nome de laranjas e depois eram adulteradas para serem enviadas ao Brasil
Mensagens dos alvos, por exemplo, mostram as tratativas para adulteração das armas, com raspagem dos números de série, que servem para identificação.
"A IAS-PY aparece vinculada a diversas apreensões ocorridas no Brasil. Em todas as ocasiões, após a importação para o Paraguai pela IAS-PY, tais armas tiveram sua numeração suprimida e foram posteriormente inseridas, de forma criminosa, no território brasileiro", registra a denúncia do MPF.
Um dos principais nomes do núcleo compradores era Fhillip da Silva Gregório, conhecido como Professor ou Professor do Alemão. Ele é "uma liderança da facção criminosa Comando Vermelho e o chefe do tráfico de drogas do Complexo do Alemão, no Rio", registra a acusação.
"Com contatos no Paraguai, Peru, Bolívia e Colômbia, ele foi preso em março de 2015. Condenado a 14 anos de prisão, Fhillip da Silva Gregório deixou a prisão em 23 de setembro de 2018, quando estava no Instituto Penal Edgard Costa, e nunca mais retornou à sua unidade."
Nas investigações, a Dakovo descobriu que Dirisio também teria fornecido armas para Marcos Paulo Nunes da Silva, o Baianinho, Vietnã ou Djaga, uma das lideranças do PCC.
Tanto Professor, do CV, e Vietnã, aparecem nas conversas com Angel Flecha Barrios, do núcleo de intermediários, que atuariam nos serviços para as facções. O líder do PCC não está entre os denunciados do MPF na Bahia.
Outro alvo ligado aos compradores é Adilson de Souza Pereira, ou Amigo MIna. Uma foto enviada para um dos intermediários, ele mostra metralhadora em uso pelo crime.
QUEM SÃO OS 28 RÉUS:
Núcleo central
Diego Hernan Dirisio
Julieta Vanessa Nardi Aranda
Núcleo vendedores
Maria Mercedes Ocampos Centurion
Eliane Magali Marengo Subeldia
Georgina Elizabeth Cosgaya Viñales (Yoryna)
Paulo Cesar Fines Ventura
Núcleo Dimabel
Josefina Cuevas Galeano (De Gonzales)
Coronel Bienvenido Santiago Fretes
Cinthia María Turro Braga
Jorge Antonio Orue Roa
Núcleo intermediários
Angel Antonio Flecha Barros
Manuel Antonio Gomes Ojeda (Antonio MV ou Tony MV)
Arnaldo Andres Cubas Cantero
Julio Cesar Cuvas Cantero (Taito)
Catalino Cantero Benitez
Aldo Cantero Cáceres
Mariza Elizabeth Vargas Barreto
Vítor Manuel Santos Gauto
Victorino Gomez Paredes
Núcleo compradores
Fhillip da Silva Gregório (Professor ou Professor do Alemão)
Allan David Omena da Rocha (Bolt)
Ricardo Rangel da Silva (Sem Cabelo ou Rica Rio)
Adilson de Souza Pereira
Edgar Jose de Souza Espindola (Chiva)
Núcleo lavagem de dinheiro
Eduardo Tomas Pallares Viveros (Edu)
Ricardo Luis Morra Gadea (La Foca)
Dario Eugênio Días Ocampos Alias (ded)
David Carlos Ferreira (Carlinhos ou Comandante Ferreira)
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