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Rio quer ampliar proibição de celular na escola; pedagogos questionam

Por Eliashacker.com.br 12/12/2023 às 08:12:25

A prefeitura do Rio de Janeiro lançou nessa segunda-feira (11) consulta pĂșblica para colher opiniões sobre a proibição do uso de celulares e outros dispositivos eletrônicos como tablets, notebooks e smartwatches durante todo o horĂĄrio escolar. Desde agosto, vigora um decreto municipal impedindo que alunos utilizem esses equipamentos dentro das salas de aulas. Na consulta pĂșblica, a sociedade civil serĂĄ ouvida sobre a ampliação dessa medida para incluir o recreio e os intervalos.

O municĂ­pio alega ser o primeiro do paĂ­s a adotar medidas recomendadas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a CiĂȘncia e a Cultura (Unesco) em seu Relatório de Monitoramento Global da Educação de 2023. O documento foi publicado em julho. Ao ser procurada pela AgĂȘncia Brasil, a Unesco afirmou que, em nenhum momento, houve recomendação para a proibição do uso de celulares ou de qualquer outro equipamento tecnológico em sala de aula.

De acordo com a entidade, o relatório foi produzido por um grupo de pesquisadores independentes e traz um debate sobre a questão. "O uso do celular em sala de aula, quando for excessivo e não for aplicado para fins pedagógicos, pode trazer alguns prejuĂ­zos para a aprendizagem dos estudantes. É importante formar professores e também orientar os estudantes para utilizar os celulares em sala de aula apenas para fins pedagógicos".

O relatório divulgado pela Unesco tem uma série de conclusões. Ele informa que existem poucas evidĂȘncias do valor agregado da tecnologia digital na educação e que a tecnologia evolui mais rĂĄpido do que é possĂ­vel avaliĂĄ-la. Também aponta que o direito à educação é, cada vez mais, sinônimo de direito à conectividade, embora ainda exista grande desigualdade no acesso à internet. Ainda assim, o relatório reconhece que, em diversos lugares do mundo, a tecnologia digital possibilitou ampliar o alcance dos recursos de ensino e aprendizagem.

HĂĄ outras conclusões de destaque: os professores muitas vezes se sentem despreparados e inseguros para dar aulas usando tecnologia, enquanto o conteĂșdo digital é produzido por grupos dominantes e beneficia principalmente estudantes instruĂ­dos, de paĂ­ses ricos. Uma preocupação diz respeito à segurança de dados: levantamento mostrou que 89% dos 163 produtos de tecnologia recomendados durante a pandemia de covid-19 tinham a capacidade de coletar informações de crianças. Por fim, o relatório contabiliza que quase um quarto dos paĂ­ses proibiu o uso de celulares nas escolas.

No Rio, o decreto assinado em agosto pelo prefeito Eduardo Paes definiu que os alunos devem manter guardados na mochila seus dispositivos tecnológicos durante as atividades didĂĄticas. Eles poderão ser usados apenas sob autorização e orientação do professor, para fins pedagógicos. Sem fazer menção especĂ­fica a qualquer tipo de sanção, o decreto dĂĄ ao docente a atribuição de adotar medidas para o cumprimento das regras, devendo ser apoiado pela equipe gestora da unidade de ensino.

No site da prefeitura, qualquer pessoa pode opinar sobre a extensão da proibição aos intervalos e recreio. Ao anunciar nessa segunda-feira (11) o lançamento da consulta pĂșblica, o secretĂĄrio municipal de Educação, Renan Ferreirinha, defendeu a ampliação. "A gente acredita que escola é um lugar para convivĂȘncia social, onde a criança tem que ir para interagir com os amigos, para brincar, para correr, para se divertir. Se mantém o celular, ela fica isolada na sua própria tela", disse.

Renan Ferreirinha avaliou que hĂĄ uma epidemia de distrações com o uso excessivo de celulares e redes sociais e observou que diversos estudos associam o vĂ­cio em dispositivos digitais à redução da curiosidade, baixa autoestima, casos de depressão e de outros distĂșrbios mentais. "Não pode ser normal uma criança ter uma crise de ansiedade porque não consegue ficar sem usar o seu celular. Não podemos ficar inertes vendo isso acontecer", acrescentou.

Ponderações

Publicado na Ășltima terça-feira (5) pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o relatório do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2022 mostrou que alunos que usam dispositivos digitais entre cinco a sete horas por dia tiveram pontuação média menor nos testes. Por outro lado, revelou que, usado de forma correta, o celular melhora o desempenho escolar. Além disso, indicou que a proibição nem sempre se mostra eficaz: alunos de paĂ­ses onde o uso do celular é vedado na escola não tem desenvolvido capacidade para o uso mais responsĂĄvel do dispositivo.

A pedagoga Rosemary dos Santos, pesquisadora da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), critica a proibição. Ela avalia que a escola precisa discutir e problematizar as questões que estão colocadas na sociedade. Em sua visão, proibir é jogar o problema para debaixo do tapete.

"Não adianta. Alunos vão usar os celulares escondidos. E a escola vai ter que atuar naquela lógica do vigiar e punir. As tecnologias hoje estruturam a sociedade. É impossĂ­vel hoje viver sem acesso à internet. A internet é um direito humano. Se vocĂȘ não tem acesso, estĂĄ excluĂ­do socialmente. Quase tudo o que vocĂȘ faz é por meio da tecnologia. VocĂȘ faz pagamentos usando a internet, faz download de um arquivo PDF para estudar", observa. De acordo com a pesquisadora, proibir é reconhecer que não consegue dialogar sobre uma questão que estĂĄ presente na vida social.

"O aluno vai usar em todos os lugares, menos na escola? Que lugar é esse da escola que abre mão de discutir o que é vivenciado por todo mundo? O uso excessivo não se dĂĄ porque o aluno usa o celular na escola, mas sim porque ele usa em todo lugar. As questões que emergem a partir desse uso precisam ser problematizadas em sala de aula. Não é o uso na escola que pode gerar depressão ou que pode levar o aluno a conteĂșdos inadequados. É o uso na sociedade. E a escola é um local adequado para essa discussão. Se o excesso de uso de tela gera problemas, a escola precisa discutir", insiste.

Rosemary chama atenção para um documento publicado em 2014 também pela Unesco. Intitulado Diretrizes de PolĂ­ticas para a Aprendizagem Móvel, ele elenca experiĂȘncias positivas e destaca a importância da educação em tecnologia. Segundo a pesquisadora, existem diversas possibilidades de uso dos dispositivos digitais envolvendo projetos de leitura, de podcast, de produção de vĂ­deo, entre outras. "A escola precisa promover isso com os alunos. Eu tenho um projeto para discutir na sala de aula questões que aparecem nas redes sociais: racismo, homofobia, fenômenos da cibercultura", exemplifica.

Capacitação

Para Gilberto Santos, professor da Faculdade de Educação da Universidade de BrasĂ­lia (UnB), a realização de uma consulta pĂșblica sobre qualquer assunto é algo positivo por reforçar o funcionamento da democracia. Mas ele também faz ponderações sobre a proibição.

"O uso eficaz do celular na sala de aula é intrinsicamente dependente da qualificação dos professores para fazĂȘ-lo. A literatura técnica estĂĄ cheia de exemplos de usos interessantes e criativos do celular, como parceiro do professor, como elemento que dinamiza a relação educativa e estabelece conexão entre o que se passa na escola e o que se passa for dela. No entanto, todos os exemplos demandam capacitação de professores", observa.

Gilberto lamentou que o Brasil não faça investimentos para qualificar docentes em uso de tecnologia em sala de aula. "Sem capacitação adequada, a tecnologia, seja ela qual for, pode acabar atrapalhando. E, nesse caso, pode acabar sendo melhor proibir, o que é uma pena. A saĂ­da é investir na qualificação dos professores, fazendo-os capazes de usar a tecnologia em sala da aula para contribuir com a formação de cidadãos mais integrados com a própria sociedade tecnológica".

Segundo o pesquisador, a escola pode ser uma aliada na prevenção de distĂșrbios mentais associados à tecnologia. "O que causa essas doenças é o uso indeterminado e viciante desses dispositivos, que transformam as pessoas em robozinhos, frequentando apenas redes sociais sem sentido e portais e sites que não contribuem para a sua formação. É isso que provoca ansiedade, que provoca a sensação de estar perdido no oceano. A escola pode mostrar que é possĂ­vel usar a tecnologia de maneira interessante. Mas isso sempre dependerĂĄ da ação do professor".

Fonte: AgĂȘncia Brasil

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