Na disputa pelo Essequibo, cada movimento dos protagonistas Venezuela e Guiana é acompanhado com atenção desde o referendo venezuelano pela anexação do território, realizado no início de dezembro.
No entanto, os olhos do mundo, em especial da América Latina, não estão pregados só nos dois países; os Estados Unidos, assim como o Brasil, é outro protagonista desta crise diplomática.
O governo americano é um aliado político e econômico poderoso da Guiana, enquanto a Venezuela segue em frágeis negociações pelo alívio das sanções econômicas dos Estados Unidos em troca de concessões eleitorais e garantias de direitos humanos.
No entanto, apesar da movimentação militar anunciada pela embaixada americana em Georgetown na quinta-feira, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil ainda não acreditam que o presidente Joe Biden tenha entre suas prioridades intervir na região, caso a crise escale para um conflito armado.
Muito menos instalar uma base militar na Guiana, como receia o governo brasileiro.
"Mas como isso se desenvolveria de fato no Congresso americano e se haveria uma intervenção direta e rápida, não estou bem certo."
Para o professor e pesquisador da Boston University Jorge Heine, os sobrevoos do Comando Sul do Exército americano foram um recado curto, mas claro.
"Os Estados Unidos estão mostrando seu arsenal e que não vão tolerar essas medidas do governo venezuelano. É um pouco como enviar porta-aviões ao Oriente Médio."
Mas Heine disse não acreditar que o Exército americano iria muito além do que já demonstrou.
Jeff Colgan, professor de Ciência Política da Brown University, disse à BBC que o governo Biden não tem disposição para entrar no confronto.
"Os Estados Unidos já estão lidando com uma guerra na Ucrânia e a crise em Gaza. Não estão em busca de outro conflito militar para administrar", afirmou.
"O governo Biden e a população americana não querem outra briga. E é bastante possível que esta questão se resolva pacificamente."
Os rumores da instalação de uma base militar americana na Guiana foram encarados com ceticismo por Gunson.
"Os Estados Unidos negaram qualquer intenção neste sentido e no momento parece ser uma alegação da Venezuela, que tem interesse em tornar a contenda uma 'luta anti-imperialista'."
Já Heine não é tão taxativo e acredita que, para a base existir, basta a Guiana querer.
"Acredito que se a Guiana pedir, os Estados Unidos podem considerar a possibilidade. O problema é o custo. Se for algo fora do orçamento normal do Pentágono, teria que ser aprovado pelo Congresso americano. Mas acredito que passaria porque atualmente existe um sentimento anti-Venezuela, especialmente anti-Maduro, muito forte no Legislativo."
Outros aspectos da questão também fazem com que a simpatia americana penda para a Guiana.
Há ainda a desproporcionalidade de seus exércitos: 120.000 do lado venezuelano para cerca de 4.000 do outro lado da fronteira.
Quanto os interesses econômicos pesam na questão?
Durante a COP28 em Dubai, o CEO Darren Woods disse estar acompanhando a situação de perto, mas que a empresa não estava ajudando o governo guianês financeiramente, segundo a Bloomberg.
Apesar de ver paralelos com a invasão do Kuwait pelo Iraque em 1990 na atual tensão entre os dois países sul-americanos, Colgan não acredita que a Exxon seja um fator de consideração no apoio do governo americano à Guiana.
"O governo americano não quer ser visto como motivado a se envolver militarmente para proteger os interesses da Exxon ou de outra empresa petrolífera," afirmou à BBC Brasil.
Enquanto o Essequibo era só mato, foi fácil para Hugo Chávez deixar a questão fronteiriça para lá, em uma manobra diplomática para azeitar suas relações como os países do bloco caribenho, segundo Jorge Heine, que também serviu como embaixador do Chile na China durante o governo de Michele Bachelet. Mas as reservas de petróleo atiçaram o interessem de Nicolás Maduro.
Outra maneira dos Estados Unidos de interferir na questão sem ter que se valer de seu exército é voltar com sanções econômicas que havia relaxado e mandar outras, apertando ainda mais a economia venezuelana.
De maneira geral, o entendimento é que, para o presidente venezuelano, novas reservas de petróleo não eram a prioridade quando ele resolveu convocar o referendo para anexar Essequibo, e sim sua própria sobrevivência política, ainda que isso cause mais problemas econômicos a longo prazo.
Com a popularidade em baixa, Maduro usou a questão histórica da fronteira e a "anexação" de Essequibo como uma jogada política para reviver sentimentos nacionalistas entre os venezuelanos e pavimentar seu caminho para as eleições presidenciais do ano que vem, segundo analistas.
"Eu acho improvável que aconteça uma invasão venezuelana em larga escala," disse Heine à BBC News Brasil. "Para começar, o terreno lá é bastante árduo, e em parte, o caminho passa pelo território brasileiro para chegar a Essequibo. Então isso complica bastante," explicou.
Por isso, o ex-diplomata disse que Maduro vai se limitar a truques para chamar a atenção da opinião pública, como o mapa, ou exigir licenças venezuelanas para empresas em Essequibo, em vez de ações militares. "Mas isso não quer dizer que a questão não seja séria."
Em conversa pelo telefone com Maduro neste fim de semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que é importante "evitar medidas unilaterais que levem a uma escalada da situação", segundo o governo brasileiro.
Para Heine, a briga pelo território de Essequibo é a possibilidade da diplomacia brasileira mostrar que pode exercer influência e manter o controle.
"É um verdadeiro desafio para o governo Lula. E o fato dos Estados Unidos terem já mostrado algo com os exercícios militares é um pouco problemático. A mim me parece que [Essequibo] deveria ser algo que o Brasil deveria ser capaz de resolver. O país tradicionalmente tem boas relações com a Venezuela, deveria ser capaz de influenciar o governo venezuelano a não fazer nada imprudente."
Uma alternativa poderia ser os Estados Unidos e o Brasil trabalharem juntos nessa via diplomática, segundo o professor da Boston University.
"O que não seria bom é se o Brasil fosse deixado de lado e isso se resolvesse entre Venezuela, Guiana e Estados Unidos. O Brasil deveria ser um parceiro natural em qualquer solução para este problema."
Colgan concorda. "O Brasil é absolutamente um parceiro vital nesta situação, por causa de sua importância econômica e diplomática na América do Sul. As escolhas brasileiras impactarão significativamente as opções disponíveis para a Venezuela."
Fonte: G1