Quase 40% dos estudantes brasileiros do 4Âș ano do ensino fundamental (EF) não dominam habilidades bĂĄsicas de leitura, ou seja, apresentam dificuldades em recuperar e reproduzir parte da informação declarada no texto.
Os dados são do Estudo Internacional de Progresso em Leitura (PIRLS) de 2021. Ele foi realizado em 65 paĂses e regiões do mundo pela Associação Internacional para Avaliação do Desempenho Educacional (IEA), responsĂĄvel por avaliar habilidades de leitura dos estudantes matriculados no 4Âș ano de escolarização. Os técnicos entendem que nessa fase da trajetória escolar, o aluno, normalmente, jĂĄ aprendeu a ler e essa leitura é um instrumento para novos aprendizados.
Enquanto, no Brasil, 38% dos estudantes não dominam a leitura, em outros 21 paĂses esse percentual não passa de 5%. Dentre eles, Irlanda (2%), Finlândia (4%), Inglaterra (3%), Singapura (3%) e Espanha (5%).
O relatório mostra ainda que cerca de 24% dos alunos brasileiros dominam apenas as habilidades bĂĄsicas de leitura. Somente 13% dos avaliados no paĂs podem ser considerados proficientes em compreensão da leitura no 4Âș ano de escolarização, pois alcançaram nĂvel alto ou avançado desta habilidade.
O estudo avaliou mais de 400 mil estudantes em mais de 13 mil escolas, em 57 paĂses e oito regiões classificadas como "padrões de referĂȘncia", como localidades do CanadĂĄ, dos Emirados Árabes (Abu Dhabi e Dubai) e Moscou, na RĂșssia.
A pontuação média alcançada pelos estudantes brasileiros (419 pontos) estĂĄ no nĂvel mais baixo da escala pedagógica de proficiĂȘncia, com quatro nĂveis. De acordo com relatório do PIRLS 2021, o desempenho dos estudantes brasileiros na leitura "é significativamente inferior a outros 58 paĂses, de total de 65 paĂses e regiões de referĂȘncia participantes".
O Brasil teve desempenho semelhante ao dos estudantes do Kosovo (421) e Irã (413), e superior somente aos desempenhos da Jordânia (381), Egito (378), Marrocos (372) e África e do Sul (288). No outro extremo, no nĂvel Avançado, com os melhores resultados, estão: Singapura (587 pontos); Irlanda (577 pontos) e Hong Kong (573).
A edição de 2021 contou com participação do Brasil pela primeira vez. Ao todo, 187 escolas brasileiras participaram das avaliações, com 248 turmas de 4Âș ano do ensino fundamental e 4.941 estudantes, distribuĂdos em 143 municĂpios de 24 estados.
Em entrevista à AgĂȘncia Brasil, o diretor do Instituto Interdisciplinaridade e EvidĂȘncias no Debate Educacional (Iede), Ernesto Martins, destacou a importância de o paĂs integrar uma pesquisa educacional comparativa. "É um marco o Brasil participar do PIRLS, essa avaliação de leitura, porque é importante o Brasil se comparar com o mundo para a gente ver de fato se a aprendizagem, o ensino que a gente estĂĄ fazendo aqui, estĂĄ bem na perspectiva internacional".
O PIRLS 2021 mostrou que o Brasil, além de se destacar negativamente pelo baixo desempenho na qualidade da leitura, também apresenta desigualdades no sistema educacional associadas às origens socioeconômicas dos estudantes, ao sexo e à cor.
No Brasil, o levantamento internacional de 2021 apontou que as meninas se sobressaem no desempenho em compreensão leitora com um resultado médio de 431 pontos, significativamente superior ao resultado médio dos meninos (408 pontos). Os estudantes autodeclarados brancos e amarelos apresentaram desempenho médio em compreensão leitora de 457 pontos, enquanto os estudantes pretos, pardos e indĂgenas tĂȘm uma estimativa pontual média de 399 pontos.
Em relação ao Brasil, o PIRLS declarou que a pandemia de covid-19 impactou na aplicação dos testes no paĂs, uma vez que a maioria das escolas operavam em regime remoto ou hĂbrido com o presencial, o que reduziu a participação das unidades de ensino e dos alunos.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais AnĂsio Teixeira (Inep), responsĂĄvel pela logĂstica da aplicação da avaliação internacional no Brasil, ressaltou o contexto dessa avaliação, ocorrida durante a pandemia.
JĂĄ o diretor do Iede, Ernesto Martins, discorda e argumenta que os resultados ruins são anteriores à pandemia. "É uma pena a gente não ter aderido ao PIRLS antes da pandemia. Seria bom a gente entender melhor qual foi o efeito da pandemia e o que é efeito de uma etapa que jĂĄ não funcionava tão bem antes da pandemia. Acho difĂcil imaginar que o resultado ruim do Brasil se deve só à pandemia, porque o Brasil estĂĄ muito atrĂĄs dos paĂses desenvolvidos".
O PIRLS recomendou intervenção do governo brasileiro por meio de polĂticas pĂșblicas ainda na etapa educacional avaliada pelo PIRLS, mas também pelo Sistema de Avaliação da Educação BĂĄsica (Saeb) do 2Âș e 5Âș ano para evitar a repetição do baixo desempenho dos estudantes do primeiro ciclo do ensino fundamental ao longo de sua trajetória educacional.
O diretor do Iede elegeu prioridades ao governo brasileiro na gestão da educação para diminuir a distância para o desempenho de nações desenvolvidas. "Precisamos de um sistema de ensino que dĂȘ muito suporte aos estudantes, acompanhe de perto, entendendo o contexto das crianças. Além de criar o hĂĄbito de leitura desde cedo. Porque esse estudante pode não ter o hĂĄbito de ser leitor fora do ambiente escolar, até por questões de famĂlia". Ele acrescentou ser necessĂĄrio trabalhar em polĂticas estruturantes, como formação de professores, para garantir uma melhora.
Na semana passada, o Ministério da Educação anunciou a ampliação de vagas de tempo integral em escolas do ensino fundamental. O governo federal planeja também o lançamento de um novo Pacto pela Alfabetização na Idade Certa e realiza uma pesquisa nacional com professores alfabetizadores para compreender quais são os conhecimentos e as habilidades que uma criança alfabetizada deve ter.
O diretor do Iede, Ernesto Martins, comparou a avaliação internacional do PIRLS às avaliações nacionais gerenciadas pelo Inep: o Saeb e o Ăndice de Desenvolvimento da Educação BĂĄsica (Ideb), que, de acordo com ele, avaliam apenas alguns domĂnios da educação bĂĄsica brasileira.
"Temos uma preocupação em relação ao Saeb ser pouco exigente. Se vocĂȘ comparar o Saeb com o PIRLS, por exemplo, não vĂȘ no Saeb textos tão longos como existem no PIRLS. Então, tem uma questão de complexidade diferente das avaliações".
Para Martins, a solução passa por aumentar o nĂvel de exigĂȘncia das avaliações nacionais. "Acho que o Saeb e Ideb trouxeram uma grande contribuição para a gente fazer um monitoramento maior das aprendizagens. Ajudou as escolas a garantirem habilidades bĂĄsicas que antes não estavam sendo garantidas, mas a gente precisa puxar a barra da avaliação [para cima]. Porque tem uma avaliação externa dizendo que o Brasil estĂĄ muito mal nos anos iniciais. E, ao mesmo tempo, hĂĄ uma avaliação nacional que diz que os alunos vão muito bem. Tem um problema com a nossa régua", conclui.
Em resposta, o Inep destacou o rigor técnico das avaliações nacionais e internacionais sob responsabilidade do instituto vinculado ao Ministério da Educação (MEC). "[As avaliações] tĂȘm caracterĂsticas próprias, mas todas são realizadas com o rigor técnico necessĂĄrio para garantir a fidedignidade da medida. O que se deve observar é que, de fato, o Saeb e o PIRLS avaliam pĂșblicos diferentes com metodologias diferentes. Mas não se verifica contradição entre os resultados. As informações são complementares e ajudam a entender melhor o cenĂĄrio educacional, a fim de planejar intervenções mais eficientes para sanar as lacunas de aprendizagem identificadas".
O Inep detalhou que os resultados da Ășltima edição do Saeb, em 2021, mostram que, no 2Âș ano do ensino fundamental, 33,6% dos estudantes ainda leem apenas palavras isoladas. E, no 5Âș ano, 28,4% dos estudantes localizam informações explĂcitas em textos narrativos curtos, informativos e anĂșncios, e interpretam linguagem verbal e não verbal em tirinhas de ilustrações quadrinhos, mas, de fato, ainda não compreendem o sentido de palavras e expressões, por exemplo.
O PIRLS é realizado desde 2001 pela Associação Internacional para Avaliação do Desempenho Educacional (IEA), que reĂșne instituições de pesquisa, órgãos governamentais e especialistas que se dedicam à realização de diferentes estudos e pesquisas educacionais comparativas.
A avaliação das habilidades de leitura pelo PIRLS estĂĄ dividida em dois eixos. A experiĂȘncia literĂĄria, com textos com função estética e lĂșdica. E a leitura de textos informativos que tĂȘm o objetivo de comunicar e esclarecer sobre um determinado tema. As provas aplicadas no fim de 2021 e inĂcio de 2022 foram nos formatos digital e em papel, conforme a localidade do mundo. No Brasil, o modelo adotado pelo Inep foi no papel.
Fonte: AgĂȘncia Brasil